"O
céu voltou a ser só azul; a chuva, fria e desconfortante. As ruas
são agora mais movimentadas, a abarrotar de gente muito semelhante.
Os parques de estacionamento estão cheios e não há vestígios de
espaço para mais ninguém. A luz elétrica é amarela, doentia.
Tenho até um candeeiro aqui, todo ele sonolento e melancólico,
pedindo urgentemente por um encosto. As flores murcharam, tal como a
salsa e a hortelã, e a vista da minha varanda deixou de ser tão
espetacular. Sinto um cheiro intenso no ar: o ar que, biologicamente,
necessito de respirar. Não, não cheira a ti. Não tem qualquer
parecença com o teu perfume. É toda uma atmosfera envolvente,
pesada, monótona. A rotina tomou o seu devido lugar. Como era o teu
perfume?
Amanhã
o sol vai brilhar com mais força, as nuvens nem se atreverão a
invadir o firmamento. Porém, se assim tiver de ser, que chova, que
haja vento, que seja a água mais gélida que alguma vez escorreu dos
céus. Seja ótimo, seja péssimo, mas que seja. Amanhã, todas as
pessoas deixarão de fazer promessas, principalmente aquelas que não
poderão, à partida, cumprir. Desistirão da ideia de mentir sobre
assuntos óbvios, não pensarão sequer em manifestar algo por
impulso e irão medir conscientemente todas as consequências das
suas palavras e ações.
Amanhã.
Ou depois. Ou talvez uns dias mais tarde.”
Inácia
Amarguras
Imagem: The dream, by Philipp Neth