Lírico

A minha foto
Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

14 de outubro de 2015

Amanhã


"O céu voltou a ser só azul; a chuva, fria e desconfortante. As ruas são agora mais movimentadas, a abarrotar de gente muito semelhante. Os parques de estacionamento estão cheios e não há vestígios de espaço para mais ninguém. A luz elétrica é amarela, doentia. Tenho até um candeeiro aqui, todo ele sonolento e melancólico, pedindo urgentemente por um encosto. As flores murcharam, tal como a salsa e a hortelã, e a vista da minha varanda deixou de ser tão espetacular. Sinto um cheiro intenso no ar: o ar que, biologicamente, necessito de respirar. Não, não cheira a ti. Não tem qualquer parecença com o teu perfume. É toda uma atmosfera envolvente, pesada, monótona. A rotina tomou o seu devido lugar. Como era o teu perfume?

Amanhã o sol vai brilhar com mais força, as nuvens nem se atreverão a invadir o firmamento. Porém, se assim tiver de ser, que chova, que haja vento, que seja a água mais gélida que alguma vez escorreu dos céus. Seja ótimo, seja péssimo, mas que seja. Amanhã, todas as pessoas deixarão de fazer promessas, principalmente aquelas que não poderão, à partida, cumprir. Desistirão da ideia de mentir sobre assuntos óbvios, não pensarão sequer em manifestar algo por impulso e irão medir conscientemente todas as consequências das suas palavras e ações.

Amanhã. Ou depois. Ou talvez uns dias mais tarde.”


Inácia Amarguras
Imagem: The dream, by Philipp Neth

28 de setembro de 2015

Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda.

"Preservar é defender a alma do ataque da matéria e da animalidade. Deixadas sozinhas, as coisas amarelecem, apodrecem e morrem. Não há nada mais fácil do que esquecer o que já não existe. Começar do zero, ao contrário do que sempre pretenderam todos os revolucionários do mundo, é gratuito. Faz com que não seja preciso estudar, aprender, respeitar, absorver, continuar. Criar é fácil. As obras de arte criam-se como as galinhas. O difícil é continuar."

Miguel Esteves Cardoso,
in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

6 de julho de 2015

Right place, right time



"Kids, I've been telling you the story of how I met your mother, and while there's many things to learn from this story, this may be the biggest. The great moments of your life won't necessarily be the things you do, they'll also be the things that happen to you. Now, I'm not saying you can't take action to affect the outcome of your life, you have to take action, and you will. But never forget that on any day, you can step out the front door and your whole life can change forever. You see, the universe has a plan kids, and that plan is always in motion. A butterfly flaps its wings, and it starts to rain. It's a scary thought but it's also kind of wonderful. All these little parts of the machine constantly working, making sure that you end up exactly where you're supposed to be, exactly when you're supposed to be there. The right place at the right time."


How I Met Your Mother

1 de julho de 2015

Sem conteúdo



Quem me dera que aquilo ali longe fosse distante o suficiente. Não é, nunca foi. É todo um ciclo demoníaco, é a estupidez de não saber calar, não saber sequer o que dizer. Quando menos esperamos, acontece: um círculo imundo, coberto daquele nevoeiro cerrado das manhãs de inverno, espesso, gelado, nada aconchegante. E vem aos pouquinhos, transformando-se num cinzento miudinho, sem conteúdo, sem expressão, mudo. Tardia se apresenta a lembrança da satisfação que poderia daí advir. 

O silêncio vai conspirando contra a própria insistência em permanecer aqui, um beco com teto, sem sol, sem alma, sem mar ou luar. Só a agitação imensa de um ruído poderá tirar-me daqui. E esse ruído sou eu.

Inácia Amarguras

Foto de Chad Copeland

29 de junho de 2015

Dream a Little Dream of Me


“Once the realization is accepted that even between the closest human beings infinite distances continue, a wonderful living side by side can grow, if they succeed in loving the distance between them which makes it possible for each to see the other whole against the sky.”

 Rainer Maria Rilke

9 de junho de 2015

The Things You Didn't Do


"Remember the day I borrowed your brand-new car,
And I dented it?
I thought you'd kill me,
But you didn't.
And remember the time I dragged you to the beach,
And you said it would rain, and it did?
I thought you'd say, "I told you so,"
But you didn't.
Do you remember the time I flirted with all the guys to make you jealous?
And you were?
I thought you'd leave me,
But you didn't.
Do you remember the time I spilled strawberry pie all over the rug in your new car?
I thought you'd hit me,
But you didn't.
And remember the time I forgot to tell you the dance was formal,
And you showed up in jeans?
I thought you'd drop me,
But you didn't.
Yes, there were lots of things you didn't do,
But you put up with me, and you loved me, and you protected me.
There were lots of things I wanted to make up to you
When you returned from Vietnam,
But you didn't."


This poem is titled "The Things You Didn't Do," and appears in a book titled "Living, Loving and Learning" by Leo Buscaglia, Ph.D., professor of education at the University of Southern California.  It was written by one of Dr. Buscaglia's female students who wished to remain anonymous.

30 de maio de 2015

Oh, where are you?


"Whatever I feel for you
You only seem to care about you
Is there any chance you could see me too?
'Cos I love you
Is there anything I could do
Just to get some attention from you?
In the waves I’ve lost every trace of you
Oh, where are you?"

Imagem e excerto da música I Love You - Woodkid

29 de outubro de 2014

Rumo natural das coisas


“A única coisa que consigo captar, neste momento, é movimento. Luzes apressadas que atravessam a minha janela à velocidade da luz. A uma velocidade inferior, percorro toda a minha mente em busca de pensamentos credíveis. Quero acreditar que, no fundo, as coisas voltam ao normal. Ou, pelo menos, ao que eram antes. As dificuldades, os pesadelos, a vontade enorme de esconder o que quer que seja são apenas pequenas transparências que, feliz ou infelizmente, não consigo remover. Era suposto tudo ficar mais claro, brilhante, simples e cómodo. Ninguém me preveniu do contrário. Estava a contar com isso. De facto, a escuridão propaga-se a cada dia que passa. Um eclipse que veio para ficar, assim, imortal e enfadonho.

O comboio parou na estação e não partiu. Estagnei, tal qual como ele. O meio de transporte que usaria para sair daqui abateu o próprio rumo. O que será feito do meu caminho? Ainda não arranjei escapatória. Movimento-me em círculos. Mas como qualquer ciclo que se preze, volto ao início, acabada, mais vazia do que quando principiei. Nem me atrevo a falar de justiça quando habito um mundo governado por caos e miséria. Este vazio está a dar cabo de mim e vai englobar-me com um formato permanente, eventualmente. Falha-me a respiração, as crenças, o amor.

Gostava de poder dizer-te que tenho uma imensa disponibilidade para ir ver as estrelas ou as ondas do mar, o rio, a correria das gentes, um jardim pacato e minúsculo. É escusado. Não há nenhum sítio para onde fugir, nada que me possa resguardar a mim, a ti, a ambos. Parei de raciocinar. Só não consigo encontrar um ponto final para este pranto miudinho. Dói. A solidão, o vazio, a indiferença e ignorância, até o facto de não existirem palavras, nem descrição: dói. Dá vontade de fechar os olhos, permitir que o rumo natural das coisas suceda, por fim. De nada adianta contradizer o que não pode ser contrariado.”

Let it go. Do whatever just to stay alive.

Inácia Amarguras

25 de outubro de 2014

Caos da harmonia


Quando a lua deixa de aparecer no céu e o sol só intervém de vez em quando começamos a perguntar-nos sobre o porquê. Esquecemo-nos que talvez não haja razão. Esquecemo-nos que é suposto. Tentamos recordar a ideia de que tudo tem uma ordem. Não tem de ter, nem deve. Aleatoriamente, o tempo vai passando, vai-se preenchendo, moldando a nossa visão sobre o mundo, nós próprios, os outros. Parte de nós acredita, espera, alcança; parte de nós é vazio, obscuridade imensa, podridão. O segredo encontra-se num equilíbrio, um dos possivelmente impossíveis. Será?

Pode nem haver explicação, ser demasiado evidente ou terrivelmente agreste. Presumo que não seja claro e apenas posso imaginar. Este tipo de estabilidade, incerta, como uma dicotomia adquirida, nada tem que ver com qualquer fórmula, estatuto ou ditado vulgar. Antes fosse. E, quando a escuridão se apodera, fica noite. E, se a lua decidir não aparecer, passamos a ser inconscientes. Eterna ignorância de quem tem trilho e não sabe o rumo. Bastava uma chama, um olhar, ternura, estima, dedicação. Chegava um escasso bocado de esperança.

Autor: Bárbara Patrício
Foto de Nicholas Scarpinato

18 de outubro de 2014

A leve (e breve?) tontura



Estou tonto,
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar,
Ou de ambas as coisas.
O que sei é que estou tonto
E não sei bem se me devo levantar da cadeira
Ou como me levantar dela.
Fiquemos nisto: estou tonto.

Afinal
Que vida fiz eu da vida?
Nada.
Tudo interstícios,
Tudo aproximações,
Tudo função do irregular e do absurdo,
Tudo nada.
É por isso que estou tonto...

Agora
Todas as manhãs me levanto
Tonto...

Sim, verdadeiramente tonto...
Sem saber em mim e meu nome,
Sem saber onde estou,
Sem saber o que fui,
Sem saber nada.

Mas se isto é assim, é assim.
Deixo-me estar na cadeira,
Estou tonto.
Bem, estou tonto.
Fico sentado
E tonto,
Sim, tonto,
Tonto...
Tonto.



Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa
Pintura de Leonid Afremov

12 de agosto de 2014

O Captain! My Captain!





   "We don't read and write poetry because it's cute. We read and write poetry because we are members of the human race. And the human race is filled with passion. And medicine, law, business, engineering, these are noble pursuits and necessary to sustain life. But poetry, beauty, romance, love, these are what we stay alive for. To quote from Whitman:


   'Oh me! Oh life! of the questions of these recurring,
   Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish,
   Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)
   Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d,
   Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,
   Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,
   The question, O me! so sad, recurring—What good amid these, O me, O life?

                                       Answer.

   That you are here—that life exists and identity,
   That the powerful play goes on, and you may contribute a verse.'

   What will your verse be?"

from Dead Poets Society

20 de junho de 2014

Pausa de dois segundinhos



"As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar."

Miguel Esteves Cardoso

1 de maio de 2014

Alheio de ser assim




Então, então, então... o que será que anda ali de mão em mão? Tão triste e distante, tão alheio de ser assim tão só? Curiosidade mórbida. Não sabes tu nem nunca chegarei eu a saber. Apenas se conhecem palpites, por agora. Será chuva, será frio? Ou o Sol que teima em não aparecer? É o mundo que gira e ninguém o faz parar, é a vida que passa, mói e volta a moer e nada a faz calar. És tu que nem sabes se existes. É o que tiver de ser. E se nada tiver de ser, nada será. 

Imagem: The people you never knew about - Angela Northen

13 de abril de 2014

Ouvi dizer



"A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura.
Ora amarga! Ora doce!
Para nos lembrar que o amor é uma doença
Quando nele julgamos ver a nossa cura."



Ornatos Violeta, Ouvi Dizer

4 de abril de 2014

Até sempre


Um grande Senhor, daqueles com letra maiúscula. Quem assim viveu, não é esquecido. Obrigada pelo radialismo, pelo jornalismo e pelas traduções. Obrigada pela prosa e pela poesia. Fica "a cicatriz do ar" e outros, nem sempre a lápis.


Jorge Fallorca (1949-2014)