Lírico

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Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

1 de abril de 2010

Morfologia existencial


Vejo o chão a sumir-me dos pés, vejo cada pedaço a desvanecer tal e qual como eu. Caio num buraco fundo, profundo, sem eira nem beira. O tempo passa e o fim parece nunca mais se abeirar. Fecho os olhos e encerro as visões a míseros passados, a tristes desaparições.

Tento tocar em algum objecto que me pareça familiar, algo onde me possa fixar e amortecer a derradeira queda. Nada! O que defronto é nada: um nada vazio, indistinto e gélido. Tudo cai simultaneamente com aquela criatura que parece não ter já uma concepção de altitude, de duração, de extensão.

Embato num solo que parece não querer me deixar poisar. Saltito e percorro o mesmo labirinto desde o chão até ali e dali até ao chão. Aquilo me envolve em mais um pouco de desespero e me embala num sono profundo, num doce jogo de sentimentos.

Adormeço. Acordo. Noto que estou finalmente deitada no chão, naquele mesmo chão que parecia não me desejar ali. Levanto-me. Vejo uma minúscula porta, bem lá no fundo, bem iluminada, repleta de luzinhas cintilantes que punham meus olhos a brilhar. Corri, mais e mais e melhor. A porta parecia nunca mais advir: eu jamais me reconciliaria com aquele bendito portal. Circulei, caminhei, consumi todas as forças e só descontinuei quando decaí novamente no chão, de rastos, sem eira nem beira.

Idealizei que me encontrava no firmamento e minhas mãos achavam-se limpas, lisonjeadas e perfeitas. Não tinham ferimentos, nem arranhões daquele desastroso embate. Aquilo que me desprotegera, afinal, também sabia amparar-me. A minha figura… nunca antes tinha estado tão amena, com uma expressão tão calma e ternurenta. Serena, desabrochei o olhar. Não existia céu, não havia perfeição: havia um amontoado de triste sofrimento. Olhei para o lado, investiguei todos os contornos espaciais. Nem podia acreditar: a porta residia mesmo ali. Não era necessário correr, percorrer grandes distâncias. Ela achou-se sempre ali, permanentemente próxima de mim.

Entrei, regressei a casa. Estava novamente livre de perigo, acordada de um sonho dentro de uma ilusão. A vida é isto: uma diminuta visão dentro de outra qualquer ficção; é o cair num buraco sem fundo e seguidamente prosseguir, lutar até não poder mais a fim de desaparecer daquele estado de espírito tão inóspito. Pelo meio, temos sempre outras lembranças, boas oportunidades e brandas imagens passageiras. Temos pessoas, temos reminiscências, temos universos, temos existências!

E ela é consumada disto: um entrelaçado enigma com assento no simples dilema de abalar ou estacar, apressar ou afastar-se, perder ou conquistar!