Lírico

A minha foto
Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

11 de junho de 2012

Sapiência




“Sabes, por vezes acordo, bem de manhãzinha, olho o relógio e o Sol que me entra pela janela e digo: “Que belo dia!”; ao deitar, penso: “Porque acordei sequer?”

Há dias em que até respirar dói, até o ar corrompe. As nuvens não estão suficientemente negras para que me possa expressar. Queria dormir, dormir, levitar, deixar-me ir num sono profundo, acabadinho de morrer, até ao infinito, acordar lentamente, daqui a milhões de anos, talvez mais. E que chova! Oh, o quanto eu quero que chova! Ninguém notaria o meu rosto já cheio da tristeza do outrora. Não me perguntes por mim, não te sei responder. Não quero estar aqui. E caminharei, voltarei, um dia, apenas talvez.

E me calo e me canso de profundamente tentar explicar o que jamais alguém conseguirá perceber. Sou eu, eu num eu que eu não conheço, disfarçada de ti, fugindo da luz que me tenta aquecer.”

Inácia Amarguras

7 de abril de 2012

Delírios intersticiais



“O fim é desespero, o desespero é medo, o medo é tudo e o tempo é escasso. Choro pelos cantos que não são mais que ninhos de deprimência convidativos a desaires humanos. Choro e solto o mais leve gemido, uma dor miudinha mas constante que não desaparece, não abranda, sempre incomoda. Estive, estou mas não mais estarei. Tudo é cansaço! Os meus olhos ardem como bolas de fogo vermelho, do mais incandescente que alguma vez vira. Não sinto as mãos, nem imagino o que me está a fazer escrever como um louco, um irracional consciente dos actos que não fez, não fiz, nunca faria, isso.

              O contraste entre espaços vazios se foi, a noção de profundidade é algo passado, passageiro, deveras momentâneo, os contornos ficaram menos nítidos e neste momento não consigo nem diferenciar as minhas personalidades. Escrevo, escreverei. Rabiscarei até que a fome me mate e o ofício me queime as pálpebras; um dia, terei uma casa feita de papel, de todo aquele que espezinhei e torturei até à exaustão com a tinta azul e preta, por vezes prateada. Não sinto, não posso, não mando.

              Hoje quero apenas ir por onde nenhum ser humano desejaria, pisar os caminhos pestilentos e envolver-me na lama. Conservar-me até que toda a Humanidade desejasse viver em paz pelas épocas que entretanto colapsaram. Não tenho qualquer esperança. Nunca haverão almas suficientemente capazes de trazer ao mundo a resolução de todos os problemas. Isto porque terá de assim ser. Teremos de nos arruinar, uma, outra, milhentas mil vezes. E não aprenderemos. Continuará a ser a mesma guerra, os mesmos motivos, a mesma dor, o mesmo ódio e raiva e vingança e sede de poder.

              Não sei escrever, deixei até de saber contar. Que dia é hoje? Os anos passam, não dou nem por mim a dormir. Talvez não durma. Talvez não coma. Talvez não exista sequer. Ninguém me vê. Entretanto, passo na rua, não me olham, apressados. Coitados. Não tenho pena deles. Escolheram aquilo em que se tornaram ou alguém escolheu por eles. São pessoas, não merecem nada! Morrerei. E vou com a consciência de que já nada há para fazer. Parem de nascer.

Foste. E ninguém me ensinou a recordar-te.

              E por isso me tornei no que agora não vês. Estás longe, distante dos braços e tão presente em meus pensamentos. Vai embora! Não te quero aqui. Atormentas-me. Deixas-me louco! Revejo ainda o dia em que partiste sem sequer pronunciar um adeus. É tão fútil saber que aquilo que deveria ser verdadeiro, puro, completamente espontâneo é, na verdade, o que nos deseja acabar com o resto dos nossos dias, desaparecer sem deixar qualquer rasto ou ponta de ingenuidade. A inocência acaba quando se percebe o quão cruel é um sonho, a facilidade com que se torna no mais subtil dos pesadelos.

              Deixei de ver. Esmagaste-me os preconceitos, torceste toda a perspetiva criada por mim durante anos. E quero que morras, tanto como eu morri no dia em que me abandonaste. Levaste o brilho, a alegria, tudo o que eu tinha. E agora? Tornei-me num louco. Sim, é isto que a sociedade me chama. E porquê? Porque falo alto e grito e resmungo e canto e digo o que mais ninguém tem coragem de dizer. Mesquinhos.

Antes louco que inútil, diria eu.
Antes assim que simplesmente sim.

Adeus, Brízida.”
Inocêncio

Texto e fotografia: Bárbara

6 de janeiro de 2012

Free soul



A poeira não deixava que o Sol penetrasse na densa selva que seria agora o pensamento de alguém que outrora previa uma atmosfera perfeitamente límpida e habitável. Talvez alguma pessoa se prezasse com a terrível maravilhosidade de soprar, colocar todas as interrogações e incertezas na sintonia de um quase, destruir os fantasiamentos do mais próximo de si, trazendo a interrogação antes perdida, desencontrada como quem adormece distraído em ritmos e melodias. Mas um talvez nunca chega, as dúvidas manifestam o seu desejo em não desaparecer por completo e o dia renasce com a promessa de que nada será fácil, nada é percentualmente espontâneo e a maioria das coisas teima em prolongar a chegada do tão esperado fraseamento, a conjugação perfeita de vocábulos, aquela que irá, agora e durante milhentos dias, conceder a vitalidade à mesma existência mundana.

            Não é ofensa exprimir o que a alma tanto teima em querer. O pecado é a simples personificação da mais rebelde das transgressões, um delito cometido no baixinho tocar de um violoncelo de prata, o perfeito crime coberto com o branco quase transparente, bastante translúcido, do fragmento maléfico e substancialmente nocivo de um ser indefeso. O equilíbrio consiste na junção da frágil postura com a robustez do carácter. E quando as palavras não chegam para estabelecer essa tão esperada proporção, a inteligência rodopia à velocidade estonteante de uma acção reflexa, os membros desfalecem declarando derrota, pois o fraco foi simplesmente incapaz de transmitir o que de forte havia para dizer.

            A culpa é demasiado pesada para se entregar a alguém de braços abertos! Ela corrói, perturba, faz desmaiar a minha lucidez. Que culpa? Não existo apenas eu, decerto não existirá apenas um, há muito para além disso, há ordem, há mansidão, há a tranquilidade que se ganha quando o corpo permite à alma o que ela tanto ansiava por cuspir. Mas enquanto os ouvidos não escutarem o harmonioso compasso de vocábulos ligados por o senão de um sempre, a alma não cuspirá, o corpo se negará à existência e o mundo será apenas o que sempre foi até agora!

[Nada acontece por acaso!
Coisa alguma advirá se não metamorfoseares a ilusão!]

Texto e fotografia: Bárbara