O escuro brilha. Cintilante conjunto de cinzentos baralhados num só contraste, numa só estrela. Imensidão de nada, vazio interminável. Assim, se descreve Clara. Um nome tão luminoso se apaixonou por tão dissemelhante alma. Toda ela era uma escala de brancos e pretos. Para além do nome, sua pele se assemelhava a um árido e desconhecido ponto do universo. Já seu cabelo era negro como carvão: o sol o acariciava, ela o eclipsava.
Na outra parte de si, o caso mudava de figura. Naquele lugar, ela era a mais clara de todas as Claras. A luz solar era toda ancorada naquele lugar que a aquecia. Essa alma lunar não só rodopiava em torno de si mesma como em volta de seu coração. Dependentemente da parte que para ele estivesse virada, assim seria o seu humor, sua maneira especial de sorrir.
Nunca o organismo de alguém fora tão espacial, tão marciano ao ponto de desconhecer seu próprio conteúdo original. Refiro-me a memórias. Em vez de as guardar, expulsava-as, mandava-as embora e proibia-as de entrar. Já nem falo de sentimentos porque esses aí eram escolhidos a dedo depois de vistas as unhas em revistas de moda. Os contrastes se proporcionavam e o equilíbrio se dava: em vez de duas cores distintas porque não misturá-las, torná-las numa só?
Seria o solucionar de uma vida! Foram embora os claros e escuros; tudo se juntou e se acinzentou. O problema da anormalidade teria assim um fim previsto para breve. Mas, embora cinzenta, não se deixou de ver a preto e branco, igualzinha a uma sala de cinema dos anos 80...