Lírico

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Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

26 de julho de 2009

Maré de tempo...

Ela não era muito diferente dos raios de sol até então lançados sobre a Terra. Ele conseguia dar-lhes ainda mais brilho. Eram partes integrantes do mesmo ser, eram bocados de um todo. Possuíam-se, ambos se dominariam até a um dia chamado “sempre”. Tudo o tempo traz e tudo ele leva de volta. Os olhares e sorrisos, as alegrias e aquosas tristezas… quase tudo veio e não mais voltou. Tudo menos as memórias que serão recordadas eternamente, para além dos limites da compreensão da própria existência.
Elsa escreve e chora: lacrimeja porque revive os pedaços partidos de um todo que o tempo ainda não levou. Nem irá levar. Tempo será sempre resumido a meros segundos que lentamente passam ofuscados num senão. E enquanto que as horas voarem, os bocados partidos levitarão. As breves escrituras que molda em papel ondulado retratam a manhã que ela nunca esquecerá. Os raios luminosos rasgavam o céu e bombardeavam em paz. O seu cabelo reluzia e em seus olhos se poderia desvendar uma esverdeada fauna. Este seria o dia do todos os dias, o primeiro e derradeiro dia.
A vergonha o invadia mas a vontade o incentivava a fazer o tão esperado pedido. À beira-mar eles conversavam, riam e contavam passados. Até que se olharam… se fixaram nas palavras silenciosas aí espelhadas. Seu coração batia num ritmo embalador com as ondas e o dele… simplesmente deixou de bater. Antes que tivesse feito qualquer pedido, muito antes dos silêncios serem quebrados. Ela o olhou mas em seus olhos já não havia sinal de vida. Entreabertos, eles anunciavam com delicadeza a sua chegada ao reino dos céus.
Agora, Elsa se debruça em pranto e se diminui perante uma dor que o tempo ainda não conseguiu levar. A consciência lhe rói pelas palavras: por aquelas que não foram ditas e aquelas que foram deixadas por dizer. Tenta seguir, descobrir o encanto das manhãs calorosas mas o seu brilho se foi e todos os seus encantos perderam a aparente função. Segura na caneta, concentra-se no papel e chove em sua própria casa: uma chuva de lágrimas inocentes no silêncio da noite. Tudo o tempo traz mas será que tudo ele leva?

19 de julho de 2009

Selo "Olha que blog Maneiro!"


Regras:

1 Exiba a imagem do selo "Olha que blog maneiro"
2 Poste o link do blog que o indicou
3 Indique 6 blogs da sua preferência
4 Avise seus indicados
5 Publique as regras
6 Confira se os blogs indicados repassam o selo e as regras

Zézinho, de José Silva me seleccionou

Historico-Filosoficas , de Sérgio Morais
cogitar, de Maneul Afonso
Pensamentos constantes, de Diego Monteiro
*LuNa*, de Érica Machado

17 de julho de 2009

Um sonho apenas!

O olhar desmorona-se, a consciência entra num sono profundo. Do presente nada tenho a dizer, do futuro pouco mais tenho a acrescentar. Tempos que fazem anos, séculos que em breves segundos se vão. Inconscientes nascemos, inutilmente vivemos e tristemente partimos sem deixar qualquer rasto de glória. Tenho vagas memórias, pedacinhos de céu guardados em mim. Nada do que possa imaginar se pode igualar a isto, uma vida destruída, um sonho escondido.
Mas paremos de falar de passado. Agora só o escasso futuro importa. Sara já nem de últimos falava. Receava o dia da partida tanto quanto o dia da própria chegada. Decerto que não iria desaparecer tristemente: possuía um cantinho daquela correria, um pedaço daquele lugar só seu e um maligno gene, uma herança maldita. Entre picos e planícies a sua vida se ia esgotando, em contagem decrescente. Sempre sonhou em dar utilidade às cordas vocais mas sua belíssima voz apenas entoava aquele quarto escuro onde as partículas de oxigénio lhe atribuíam salvas de palmas infinitas. Sonhava esbatida com a noite em que subiria a um palco com os seus longos cabelos apanhados, encaracolados. Na sua meninice, a alegria contrariava tudo o que de mais negativo lhe fosse proposto. Anos passaram e tudo se evaporou: sonhos, vida, alma, coração!
Jamais parou de lutar. O que mais desejava não era ficar ali mas sim ir em paz e na companhia do Senhor! O caminho seria longo, a recompensa seria ainda maior. A dor iria acabar, o sofrimento levemente se desentranharia dela. Uma noite, na escuridão do agora e sempre seu lar, Sara adormeceu para nunca mais acordar. Nem sorriu, nem segundo lhe deram para libertar uma pura lágrima, nem num momento lhe concederam o prazer de voar. E assim foi, caminhou por uma longa planície e desapareceu no reflexo do sol, o reflexo de um diamante…

4 de julho de 2009

Perigosos segredos…

Tardes de Inverno, facas afiadas, geladas picadas turbulentas, lágrimas miudinhas cristalizando a dor…
Noémia desgastava um pouco mais os dedos, enlaçava num embaraçante jogo de linhas redondas bem preenchidas de espaços vazios. Sentada à luz da lareira, esperava e não se cansava de perder seu tempo em tão desgostoso trabalho. As pérolas cristalinas escorridas de seus fontanários espelhados eram lentamente absorvidas pelo pano carente envolto em tão poucas mãos.
Nunca foi senhora de inovações: rotineira e de relógio certeiro lavava, cozinhava e varria o chão sem vestígio de partícula. O movimento era pouco. De muito aquilo não tinha nada. Anoiteceu. O vento uivava ao desafio com a chuva chicoteando o vidro da janela de seu quarto. É aqui, neste momento só seu, onde é ela a rainha, que a sua memória lhe permite buscar os mais íntimos segredos. A sua pele era vidro e seu amante cristal. Seu marido era vento e minha água seu beiral.
António nunca soube o quanto ela gostara dele. Assim, o Sr. Anjos, de tão angelical ser denominado em terra, poucos louvores conseguiu no céu! Seu fígado perdera a função mesmo antes de se casar e a partir daí, deixou mesmo de funcionar, despachando as partículas exageradamente alcoólicas.
Comida feita, roupa lavada, amor esperando à porta… Que mais se poderia desejar? Uma bela garrafa do melhor vinho da região pois é claro! Amor? Fictício! Isso não era coisa para se demonstrar!
“ António Manuel Gomes dos Anjos aceita Noémia Maria Mendonça Gonçalves como sua esposa e promete ama-la e respeita-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença até que a morte vos separe? “
Promessas desfeitas num descortinado piscar de anos. Ambos se voltaram a enamorar: ela pelo vizinho, ele pelo seu eterno vinho. A desgraça ocupava aquele lar, a vergonha o fazia levitar. Um fim, uma derradeira despedida, uma leve carícia, para sempre um olhar fechado… Pouca sorte teve António, o vizinho Manuel não lhe pôde sorrir. Evaporaram ninguém sabe como, arderam nas profundezas do Inferno, não viram mais nada com aqueles olhos que a terra havia de comer… e comeu!
E ali, debruçada nos lençóis saudosos do toque de um homem, recostada na cama, se lembrava do triste destino que lhes tinha entregue: a eles e a ela! Até a mais superficial das mulheres esconde segredos mais profundos que oceanos, impossíveis de revelar… Também Noémia tinha os seus!
“ Oxalá estivessem a descansar junto do Senhor, oxalá Deus me perdoe este terrível pecado, esta horrenda mentira. ”
Peso de consciência, vidas aniquiladas no seu inverso. Um olhar diz tudo, um gesto resume a nada. Nem todos os segredos possuem a sua mísera ausência de mentira. Este tem apenas uma cumplicidade de almas perdidas, devastadas a puro e duro. Ela continua aqui, viva e de consciência basáltica, bem perto dos seus mais queridos. Eles encontram-se bem longe, nas mãos de um justiceiro. Os seus actos os resumiram a pó, que a terra havia de comer… e comeu!