Lírico

A minha foto
Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

19 de agosto de 2011

Salvação



O vento passa e foge de mim. Não quer vibrar por entre os meus cabelos e sussurrar junto dos meus ouvidos. Não me deixa respirar. O Sol decidiu que não mais me iria iluminar, ia descolorir a cor dos meus olhos e aquecer o mínimo possível, para que eu congelasse. As árvores param de falar entre si, como se eu fosse contar ao mundo os seus segredos. O céu enche-se de nuvens do mais cinzento que consiga existir. O chão treme para me fazer cair, só para que eu perceba o quanto não posso mudar nada. O horizonte escapa-se para o infinito. O que estou aqui a fazer, afinal?

Às vezes uma palavra não chega, um sorriso não faz a diferença por si só, um olhar não diz tudo, a música fica de braços cruzados, indiferente, e os gestos são escassos, irregulares. Já não sei o que fazer nem o que deixar aos outros fazerem por mim. Quero tudo e não quero nada. Não sinto. A Natureza está finalmente a pronunciar-se. Colocou-me de castigo para que eu aprenda que sozinha não farei muito mais que grãos de areia, pequeninos, redondos, propícios a erosão rápida. Ninguém percebe e também ninguém quer saber. É preferível pensar que está tudo bem. É fácil, é lógico. Mas não é o melhor!

O espelho mostra algo sobre mim que não me diz nada, não me obriga a sorrir. Sinceramente, acho que os espelhos hoje em dia só mostram o que não deveriam apresentar nunca. Aliás, os espelhos nunca desvendaram grande coisa sobre as pessoas. Já não sei escrever, já não sei meditar, não penso nem comento aquilo que transmito. Não falo. Por vezes o silêncio dá-me o que mais ninguém consegue. E é isto: o dia encontra o seu fim, a Lua não pronuncia o habitual “olá”, as estrelas foram de férias, assim como toda a gente.

Como será possível que o Tempo passe tão devagar? Eu compreendo o quanto ninguém te quer compreender. És egoísta, assassino, cúmplice das maiores mentiras. É assim que a maioria das pessoas te vê: um monstro solitário e hipócrita. Dos restantes, alguns nem sequer pensam em ti. Estão demasiado ocupados com o seu quotidiano triste e mesquinho. Outros derrotaram-te e fizeram-te pedir perdão aos céus por existires. Serão para sempre imortais. Mas ainda existem mais, muitos mais. Aqueles como eu, que passam ao teu lado, te oferecem um grande sorriso e te pegam pela mão.

Tempo, dá-me um abraço e leva-me contigo pelo Universo! Vamos viajar até ao inicio dos tempos quando tu, Tempo, ainda eras um pequenino e indefeso bichinho ambulante. Agora que temos a mesma idade já podes pronunciar o meu nome. Começaremos a distribuir alegria pelo mundo.

O dinheiro compra muito pouco. E não é ele que vai salvar o mundo. Somos nós, Tempo!

Fotografia e texto: Bárbara

15 de agosto de 2011

Libertação



Hoje reparei como tu eras belo. És apenas uma miragem, à distância de uma imagem que percorre minha mente, tridimensionalmente. Corro para mim, bem dentro de tudo o que é profundo, interiormente. Passivamente me afirmo, reafirmo, contradigo, sustento os membros e gesticulo. São tantos, tão diferentes. No fundo, nenhum quer o mesmo que outrora já quis. Passam despreocupados, rotineiros, infames e passageiros (do nada?). E eu, parada no meio de confusões eternas, especada à espera de ninguém, trancada em mim, observo-os, imóvel, eficazmente pensando numa solução para este circular miudinho.

Sugo o espaço, desatino com o tempo, apressando-o, dando-lhe mais da rapidez que o desanima e avoluma sem quebrar. À noite penso. Mais que no escuro da noite, mais que no vento que me congela a face, muito mais que nas estrelas que desaparecem do céu, debato no indistinto clima da minha alma, da minha gente. Agora todos eles são constituintes da mesma luz de um canal de fibra óptica. Dentro é luminoso, cintilante, poderosamente conectado. Mas continuamos presos: encurralados por aquele cabo de um plástico impermeável, duro, negro, impedindo a nossa expansão, a passagem para outras formas de estar, de viver, de habitar e cogitar.

Talvez sejamos isso, talvez nem sequer passemos disso mesmo: uma mistura de luz de oiro que reluz aqui e ali, coberta por um negro céu que nos impede de libertar o verdadeiro esplendor que enriquecerá finalmente a Humanidade: o brilho imutável e transcendente dos nossos olhares. Nós criámos as coisas, adoptámo-las como indispensáveis à vida. Elas comandam-nos e continuamos a ser governados por seres inanimados que deveriam ser colocados em segundo plano! Esquecemos o significado de pessoa.

E assim marchamos sobre esta imitação de claridade que perdura e tende a não cessar, cobertos por escuridão, fingimento, hipocrisia. Largámos o que de mais puro e indistinguível foi colocado neste universo: a Natureza. Fazemos parte dela, harmoniosamente somos criados por ela. É uma divindade, possui a interminável poção da eternidade e apodera-se de toda a gigantesca força do mundo. Bastavam uns milhões de contemplares para romper as correntes e sermos espontâneos, livres, naturais, exactamente como antes, quando nada possuíamos.

Hoje reparei como tu eras belo. Porque não há nada mais belo que o brilho dos nossos olhares.

Fotografia e texto: Bárbara