Lírico

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Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

29 de dezembro de 2010

Estranho amanhecer


Um dia, acordei. Acordei e saí para olhar o céu. O amanhecer assemelhava-se a um pôr-do-sol longínquo, distante dele próprio. Estava atordoada. Tivera um sonho terrivelmente estranho. Éramos só nós: eu e a calçada que me perseguia. Ouvia vozes vindas das paredes circundantes. Corri até chegar à exaustão. A adrenalina que o meu corpo produzia era o suficiente para me manter ali, sobrevivendo. Estava calor. Sentia as golfadas de ar quente embatendo no meu rosto, fazendo-me desejar imensamente um cântaro de água potável e fresca. O Sol encontrava-se agora no ponto mais alto da sua viagem. Estranhamente, o tempo parou: as gentes deixaram os seus afazeres, o ribeiro congelou, a fonte da aldeia secara instantaneamente… e tudo o que habitualmente se posicionava imóvel e eterno, movia-se e balançava desgostosamente. Por momentos pensei que era um sonho. Mas eu já estava num sonho. Um sonho dentro do meu próprio sonho?
As casas dançavam em ritmos que contrastavam com a imensidão do infinito silêncio que se fazia sentir; as estradas elaboravam pequenas ondulações e curvas em si mesmas e riam às gargalhadas à medida que desconcertavam e arruinavam o que os humanos tinham consumado outrora. As janelas abriam e fechavam discretamente; os vidros partiam, despedaçavam-se, brilhavam como estrelas, reflectindo os raios lustrosos e soalheiros. Magiquei… se apenas o que não possuía vida se mexia porquê que eu me movimentava também? As respostas eram óbvias e claras e encontravam-se na minha cabeça desde o início daquela revolta.
Não poderia mais sentir, rir, pensar... era agora um imortal e gélido bocado de pedra. No meio daquele silêncio me perderia para sempre. Não me apetecia gritar, chorar, lamentar-me. Já nem sabia falar. Até que, no meio de toda aquela imensidão de silêncio tentador e agonizante, se ouvia um choro miudinho de criança. Provinha daquele enorme casarão ao virar da esquina. A grande porta de madeira avermelhada estava completamente aberta. Só isto me convidava a entrar. No fundo da grande sala estava um ser humano pequenino, vestido de um branco manchado. Aproximei-me e curvei-me mesmo diante dele. Vi a sua face a erguer-se e os seus olhos fixaram os meus: era uma menina. Tive medo que a pobre criança abandonada e suja, com as roupas rasgadas pelo tempo que ainda à pouco tinha parado, sem pais, sem ninguém para cuidar dela, se assustasse com a minha aparência. Afinal, eu era uma pedra. O seu choro parou. Fiquei estupefacta. A Humanidade cabia toda nos olhos verdes e esbugalhados daquela menina de cabelos ruivos e despenteados.
Ao contrário do que pensara, ela não se amedrontou. Sorriu-me… e estremeci. Nesse momento percebi o quão humana ainda era. Todos os meus entendimentos estavam errados e todo o silêncio e destruição foram quebrados. Ao olhar pela pequena abertura da porta por mim deixada quando entrei vi que a aldeia voltou a ser o que era. Sentia agora movimentação na calçada que antes se assemelhava ao fim do mundo. Ao voltar-me para a criança, esta já não residia lá. Desaparecera e eu não sabia para onde. Algo ligeiramente me segredava para não a procurar. E não o fiz.
Agora, acordada e lúcida, percebia o fundamento da cor do meu céu e o lugar onde a pequena criança se encontrava. Fez-me lembrar o ruivo vivo do cabelo daquela menina. Fora ela que me tirara daquele lugar: fora ela que me tornara novamente humana, destruindo a minha eterna condição de pedaço de pedra, gélida, imóvel e solitária.
[Porque a Humanidade cabe nos olhos de uma pobre criança e porque há coisas que simplesmente as palavras não conseguem explicar.]
Fotografia e texto: Bárbara

20 de dezembro de 2010

Forest Full of Unicorns *



Estou no quarto fechado. Já algum tempo que assim é. Já perdi a conta às horas que passo fechado neste covil. Por vezes, no meio da escuridão, vejo ideias e palavras e frases e imagens voarem ao sabor de um vento inexistente. Sinto um arrepio correr-me pelo corpo.

E eu sou apenas isso: este arrepio que me percorre a alma. O negro que me envolve faz-me pensar em tudo o que tem acontecido nestes últimos tempos... Chego à conclusão que nada passou de uma simples ilusão onde corria à cata de um sonho que no final se evaporou e me deixou a inspirar o que restava de mim.

Restam agora cinzas do que eu era. Cinzas sem palavras, cinzas sem inspiração. Uma imagem microscópica do que fui outrora. As impurezas que restam sobre o meu rosto são empurradas para longe pelo vento. Ao som de Forest Full Of Unicorns sinto-me ir junto com as cinzas. A minha alma parte. Vejo-me num mundo que me atrevo a equiparar ao d'O Principezinho, onde tudo é sonho, onde tudo é imaginação.

Imaginação que já não possuo, não reina mais em mim. Olho para o que me rodeia e nada se interioriza. Os sons, batidas e ritmos da música que oiço saem correndo, fugindo de mim. Sou um buraco negro: absorvo mas não o transformo em algo mais útil, um pouco menos cinzento e apreciável. O que aconteceu comigo afinal?

Parece que me transformei num pedaço de nódoas no lençol da alma. A água da chuva vem e não me lava. Mas muito de mim vai com ela. Escorrem ideias por mim a baixo numa mistura homogénea com a água. Sinto-me mais transparente que nunca tudo passa através de mim. Tudo passa mas nada fica. Tenho a minha cabeça opaca e não consigo ver para lá das poucas emoções que ainda me percorrem o corpo. Já não consigo escrever, sinto-me ao abandono no meio de um campo de papoilas. Deito-me entre as flores. Olho para o céu e procuro entre as nuvens o que perdi. Procuro entre os cavalos que percorrem o céu a galope a minha imaginação. Espero que ela vá sentada na sela de um desses de Puro Sangue Lusitano e que, cedo, volte para mim.

Ricardo e Bárbara

 *Título de uma música de Cygni Vox

7 de dezembro de 2010

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Olhei o céu: desdenhou de mim. Caminhei pelo deserto: não tinha fim. Voei... e nada encontrei.

1 de dezembro de 2010

Eu falando comigo



Conta comigo! E com a Lua e as estrelas e o brilho dos céus. Estaremos todos torcendo por ti. Embalaremos teus cabelos ao sabor da maré de acontecimentos presentes e trataremos mais da tua alma, ligando-a a tudo o que de belo considerares. Não digas nada: os agradecimentos que fiquem pendurados nos ramos estrondosos e fortes da tua linha imaginativa. Por agora, completa os átomos, constituintes de ti. Ama-os: são eles que te concedem uma forma, uma apresentável maneira de existir.

Os vidros partem. Só vislumbro os bocados escorraçados e espalhados no canto daquela sala que só te queria ouvir estremecer. As paredes pareciam querer apreciar as palavras que por ti eram transfiguradas e que voavam para os maiores templos citadinos. Que confusão de alma, que destroçado coração! Desinteressa-te: de nada te serve o triste brilho dos teus olhos. Sobe a escadaria que te posicionará na alta montanha. Aí, ninguém te fará sofrer, ninguém chegará perto de ti; não deixarás jamais que outro ser estranho se infiltre no teu território, naquele lugar que é só teu. Bastou.

O quanto esta música me embala… apetece-me adormecer nos braços do vento, quero o aconchego quente dos raios de Sol que despertam minha visão logo pela manhã. Estás doente! O teu interior é um débil buraco que não termina, tudo elimina, nada cautela. Faz desaparecer as memórias, transporta-te para uma outra e dissemelhante dimensão. O tamanho deste vazio que me compõe preocupa-me mais que nunca. Quero fugir daqui, levar-te comigo, desprender-me de tudo o resto. Não quero memórias, recordações, sentimentos ou sensações: só destruirei o meu vazio com mais vazio. Preciso de algo mais incompleto que eu! Sei que no fim os fantasmas correrão para dentro das suas masmorras de pedra que os protege e me deixarão a paz que é minha por natureza.

Não tenho palavras: todos querem algo diferente, somos tão desiguais… o que estou eu a fazer contigo, o que estou eu a fazer comigo própria? Sei o que quero e o que por agora desprezo. Quero paz, desejo toda a harmonia e tranquilidade deste mundo e do próximo; quero escutar as melodias e sentir que me encontro dentro de todos os timbres e ritmos, todas as batidas e sons. Gostava de ser uma música e percorrer os corações das gentes, dar-lhes outro movimento à alma, conceder-lhes mais ânimo para a vida; ou uma corrente de ar: sopraria aos ouvidos dos enamorados relembrando-lhes a sorte que possuíam em ter alguém tão esbelto a seu lado e que tanto os amava! Não me importaria de nascer como um raio de Sol: iluminaria o caminho de todos os seres e aquecer-lhes-ia o coração; faria brilhar o cabelo das meninas pela manhã e passaria o resto da tarde na praia, contemplando a água do oceano. Continuo sem saber onde me encontro e porque fugi de mim. Talvez eu não mais seja um bom lar para mim própria.

Até me refugiava em ti mas tenho medo que me expulses e fique sem lugar algum para permanecer.

Bárbara