Lírico

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Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

4 de dezembro de 2011

Esquivo


Não posso ficar! O frio congela-me as mãos, vai esfriando cada pedaço de mim que ainda detém algo que palpite, mil corações em uma preciosidade só. Desconheço o facto de estar aqui, noite dentro, especado diante de ti! Lua, fala comigo, escuta as minhas preces já que o Sol há muito que as deixou perdidas no rio do tempo em que me encontro constantemente. Tudo o que quero é dirigir-me pelo próprio pé a uma casa que um dia foi minha, tua, do nosso mais real e imprescindível amor; desejo o quente aperto de um lar, alguém que me olhe amavelmente, sem o desprezo de todos os dias, como se a tristeza e decadência do mundo dependessem exclusivamente de uma coisa tão nojenta, vazia e pestilenta igual a mim.

Moro entre ruas e becos, becos com ruas, ruas sem becos e saídas sem fim de início bem demarcado, que me levam a caminhos sem rumo, com destino às três impossibilidades mor, é sangue, é dor, é saudade. Sou morador do mundo inteiro! O meu tecto muda de cor mesmo sem eu o pintar ou esculpir belas formas que me fazem sonhar. Não tenho lâmpadas, as estrelas encarregam-se de me iluminar quando a Lua executa o seu tão curto descanso mensal. É a terra que me sustenta o corpo, sujo, cheio de frio, um autêntico cubinho de gelo que vagueia sem descongelar, desagregando-se de muitas outras formas. As estações são as únicas que me cumprimentam: o Verão, com sufocantes dissertações sobre o porquê de não ir à praia ou à piscina como toda a gente; a Primavera, com leves e frescas correntes de brisa que me fazem meditar milhentas vezes sobre a vida que levo; o Outono esbofeteia-me com duas toneladas de folhas encantadoras que me tocam, limpando o mais profundo pecado que em mim se aloje; o Inverno, oh… é ele quem me massacra mais, quem me faz falar com a Morte, dando inesperadas quedas, me questiona acerca da árvore de Natal, das prendas, do consumismo, da passagem para um novo ano. Mal ele sabe que o tempo deixou de existir, para mim, à muito, muito tempo!

E assim, sem cessar, sem que a voz fuja descoordenada e perdida em quelhos obscuros, eu pedia a todos os que por ali passavam por um pouco de pão, uns míseros trocos para gastar no supermercado mais barato e reles daquela cidade. Uns respondiam-me com o menosprezo e desdém de todos os santos dias; outros, mostravam a indiferença que lhes estampava a cara de uma extremidade a outra; mas haviam os anjos, aqueles que me davam um sorriso, oh, um sorriso… aquela menina teria a idade da minha filha se hoje se encontrasse comigo, olhos cintilantes, face da seda mais angelical e pura, cabelos demorados, polidos, estremecendo como pasto em campos de seara, me ofereceu o que eu mais desejava: uma visão actual de como seria a minha pequena menina agora, aquela que eu carreguei nos braços durante tanto tempo, que era exactamente a cara de sua mãe, grande mulher, grande pessoa!

Pelo menos o Inverno tem uma ou duas coisas boas: a neve! Ela espalha a pureza pelo mundo, cobre tudo aquilo que não deve ser entendido, assim como agasalhou o cenário mais trágico e impiedoso, algo que nem um milhão de lágrimas varreria. Tudo começa como sendo exemplar, mas até a perfeição é apenas um ideal, e a sujidade espalha-se perfeitamente em cenários claros, a pureza esvai-se… e quando a noite chega, maldita noite, que fiz eu?, coitada, será este, será oeste, onde está o meu norte? É quando o norte e o sul se juntam, é quando o alfa e o ómega se esvaem, a terra e o céu se envolvem, é aqui que tudo se auto-destrói, é aqui que o sonho se forma, é aqui que se observa o poder do Universo sobre os demais.

Somos a partilha, dividimo-nos com todos aqueles que são o que são para nós. Afinal, não somos a criatura que pensamos ser: estamos inevitavelmente constituídos por peças infinitas de um puzzle de outros seres, aqueles que nos fazem sorrir, aqueles que nos magoam e nos largam a mão, os que nos prendem sem deixar cair o que de mais precioso possuímos, os que nos amam, olham os olhos e vêm que somos um dos viventes mais maravilhosos do seu reino. E é assim que as forças vêm não percebo de onde, fazem-nos lutar por não sei o quê, obrigam-nos a conquistar não entendo como e desaparecem não atingindo o verdadeiro porquê. A vida continua, existimos num só, sustentaremos muitos mais, eclodiremos o grande pedaço de existência coberto de pó.

De que nos vale um corpo se a Alma se encontra longe, encarcerada, enjaulada no mais maravilhoso ser que jamais conhecemos igual?

[É de algo genuíno, puro e cristalino,
é de algo que não se vê,
só se sente,
é por Alma que a Humanidade chora!]

Bárbara

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