Lírico

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Greenland
Toda eu sou alma. Todo eu sou frio, branca como a neve. Toda eu sou sonho, céu, nuvem. Toda eu sou girassol. Toda eu serei tua, se assim o entenderes.

28 de setembro de 2008

Contigo!

Estava ali. Sabia que lugar era aquele mas tinha a imperfeita memória a esconder algo tão terrível mas tão suave. Olhei para todos os objectos à minha volta. Não sei se era eu que os temia ou eles que me temiam a mim. Estava escuro. A noite cerrada implorava por um raio de luz, escassa e quase inexistente.
Sozinha, buscava o nada. Nem eu própria sabia o que queria para mim. Só tu sabias o que o meu coração tanto ansiava. Tu tinhas partido para longe embora continuasses ali tão perto. Tudo em meu redor era conhecido por um “eu” que eu não conhecia. Tudo o que sentia naquele momento tinha desaparecido. Vi quase tudo evaporar no ar, a subir naquela imensidão de nada. Eu e aquele meio nunca iríamos entrar numa isotonia perfeita. Enquanto aquele lugar estava numa hipertonia sentimental, eu era completamente hipotónica no sentir.
Tínhamos de ser iguais, de encontrar uma isotonia completa e interminável. Enquanto que as minhas raízes não fossem desligadas da terra ninguém me arrancaria nada de nada. Algo me puxou a caminho da altitude. A gravidade tinha simplesmente desaparecido e tudo o resto se foi, seguido a ela. Já não havia uma força maior que controlasse os objectos daquele lugar. Agora, o espaço antes organizado era um campo de batalha bárbaro: cruel, desumano. O que de mais selvagem havia em mim se libertou. As barreiras da cultura em que me tinham obrigado a viver e a respeitar soltaram-se e levaram com elas as hipotéticas regras.
A isotonia proporcionou-se. Ficámos iguais por dentro e por fora. Sentia-me vazia agora. O exterior estava extremamente plasmolizado e a minha turgidez interior não suportou tal facada. Esse momento de libertação foi o mais único visto pela minha inútil existência. Nunca antes me deparei com tanta rebeldia. O mar que me atravessava se transformou num pequeno ribeiro. A biodiversidade foi levada e desaguou juntamente com tudo o resto.
Eu não estava naquele lugar para me tonificar e muito menos para me purificar. Ia intervalando a caminhada por ruas e becos sem saída. Conhecia aquilo como a palma da minha mão. Talvez aquele lugar fizesse parte de mim sem que eu desse por isso. Cansei-me de tanto percorrer e não chegar ao destino; de tanto procurar e nada encontrar; de tanto subir e não contemplar o cume. Sabia exactamente o que fazer. Sentei-me, encostei a cabeça e sem dar por nada, adormeci. As lanças protectoras dos meus olhos baixaram como se quisessem fazer uma pausa naquela guerra. A paz entrou em mim. Toda aquela rebeldia já não me era perceptível; a gravidade tinha voltado; os objectos retornaram para o seu eterno lugar e o campo de batalha parecia agora uma imensa planície coberta de erva verde e de arco-íris.
Só que eu não conseguia perceber uma coisa: a isotonia continuava intacta. O meu interior e o meu exterior continuavam iguais quantitativamente. As substâncias não eram mais heterogéneas. Tudo era homogéneo e perfeitamente semelhante. Mas… O que tinha acontecido para que tudo ficasse tão bem de um momento para o outro? Gritei a questão com tanta força que a minha voz quase perfurou o infinito. Despendi toda a minha energia pois queria muito aquela resposta.
As lanças que antes tinham baixado ergueram-se porque algo de muito luminoso me estava muito próximo. Mas não se alçaram para declarar guerra. Altearam-se para proclamar a tão desejada vitória. Por surpresa minha, os meus olhos viram o que eu mais queria: tu. Foste tu que vieste acabar com a rebeldia do meu mundo. Foste tu que repuseste os objectos no seu lugar. Tu, que criaste a isotonia perfeita de que eu tanto precisava. O meu interior e o meu exterior estavam agora em harmonia. Como conseguiste que tudo em mim se repusesse? Será que tens assim tanto poder sobre mim? Assim como fizeste que tudo se alterasse e ficasse desorganizado também conseguiste que a calmaria e a harmonia voltassem.
Uma brisa percorreu todas as curvas do meu rosto secando as pequenas gotas salgadas que o cobriam. A tua mão segurou a minha e uma força tremenda me foi transmitida novamente. Toda a energia que desbastei em perguntar-te o “porquê” de tudo e de nada foi-me agora retribuída por ti. Toda essa alegria me foi reposta outra vez. Fizeste com que o nosso tempo se perdesse mas que o meu ser ganhasse vida novamente.
Quando os teus olhos iluminaram os meus eu fiquei presa nesse teu olhar penetrante. Olhavas-me tão fixamente como se os meus olhos fossem preciosos rubis, como se nunca me tivesses visto antes. Tanto tu como eu estávamos encantados um no outro. Mais nenhum ser daquele lugar era tão parecido a mim como tu. Eu estava ali contigo. Não sabia nada de nada mas sabia tudo o que necessitava de saber: nada. Também não demorei muito a compreender, pois tu disseste tudo aquilo que de importante havia para falar.
Enquanto a balbúrdia acontecia e eu era arrancada das minhas raízes, das coisas que amo e sem as quais não suporto viver, tu estavas escondido atrás de uma alta parede bem na escuridão a observar tudo aquilo. Quiseste ajudar-me e sabias exactamente como fazê-lo. A única coisa que confeccionaste foi um raio de luz que o lugar precisava para voltar ao que era antes. Essa luz foi criada por ti, pois a verdadeira luz eras tu e só tu. Reparei que contigo trazias um cesto, um cesto que parecia pesado pois a marcas da tua mão transmitiam-no. Olhas-te para mim mais uma vez e disseste-me: “Vem comigo!”
Eu fiquei estupefacta. Nunca te imaginei a dizer tal coisa. Não pensei nem por um bocadinho. Tu eras a minha certeza, a minha ilusão, a única coisa que me fazia sentir feliz naquele lugar tão distante de mim mas tão perto de ti. Levantei-me. A minha força estava novamente dentro do meu ser; esta que me fez pegar na tua mão e dizer um aberto e convicto: “Sim!”. E assim fomos, de mãos dadas descobrir o nosso destino. Desconhecíamos o que viria e o que iria surgir ou acontecer a cada passo que dávamos mas, mesmo assim, não tínhamos medo. Caminhámos e progredimos juntos por aquelas intermináveis planícies cobertas de ervas clorofilinas e de flores com mil-cores. Não estávamos sozinhos mas também não conseguíamos avistar ninguém. Não haviam montanhas, planaltos, cumes, nada mais alto que o normal. Seria por isso que não víamos nada nem ninguém a não ser a infinita planície?
Não sabíamos nada. Apenas tínhamos uma certeza: eu estava contigo e tu estavas comigo. O tempo passava e as nossas mãos continuavam unidas, com uma ligação cada vez mais forte. Éramos imortais agora conectados. Éramos como se fôssemos um só. Nada do que se atravessasse no nosso caminho nos conseguiria separar. Juntos, ultrapassaríamos tudo, tudo. E não nos largávamos. Nem nunca nos viríamos a largar pois éramos tão imortais juntos e tão mortais separados. Algo de muito forte nos unia e uma atracção gigantesca nos impedia de separar. Embora não fôssemos obrigados a estar adjacentes e pudesses ser livres a esse ponto ambos sabíamos que juntos éramos muito melhores e muito mais fortes. Então encontrámos apenas uma resposta: continuámos naquela desgastante caminhada na planície como seres completamente imortais e sempre os dois, juntos e eternos inseparáveis ligados por algo maior que o Sol e mais forte que os deuses.
Mas como nada é infinito e nada é imortal, o fim chegou. O nosso desfecho estava próximo. Não queríamos seguir caminhos diferentes; apenas desejávamos continuar juntos e permanecer imortais até ao infinito. Este infinito de que falo já não existia mais. A força que nos unia era agora igual à que nos afastava. Não sabíamos o porquê, não sabíamos como aquilo tinha acontecido. Afinal, desconhecíamos aquela situação tão inóspita, tão bárbara. Quem nos tinha causado tal sofrimento? Não queríamos saber. Talvez porque não sabíamos nada ou porque era melhor continuar naquela benéfica ignorância. Tínhamos feito uma promessa: nunca nos iríamos separar e unicamente a morte o poderia causar.
E assim foi. De um lado, existia a gigantesca força que nos unia; do outro o dinamismo colossal que nos separava. Não podíamos dar-nos como vencidos. Lutávamos e lutámos até ao fim. Um fim que demorou a chegar mas que finalmente chegou. Cada vez mais, à medida que o tempo passava a força de separação era maior à de união. Com a perfeita noção da situação e sem comprometer a promessa, olhámo-nos uma última vez. Transmitimos pensamentos pelo nosso contemplar e a decisão tomou-se definitivamente. Dissemos um adeus que mais significava um “até já” pois tínhamos esperança de nos encontrar novamente.
Juntos, saltámos para o meio das forças contrárias. Era tão terrível a disputa que isso nos despedaçou. Num abrir e fechar de olhos, já não existíamos mais. Tínhamos partido para outro lugar, outra situação, outros destinos. Só temos orgulho um do outro por nunca nos termos largado e por assim termos partido. Tenho esperanças em encontrar-te novamente onde quer que estejas. A minha boca não se cansará de invocar pelo teu nome, a minha memória não se estafará de te lembrar e os meus olhos não pararão de ver para avistar a tua chegada.
Já não sou mais o ser imperfeito que conhecias. Tu também já não deves ser o mesmo. Fui transferida de mundo como se me tivessem feito uma transfusão de mente e de alma. Afinal não expirei, apenas me alterei ou me alteraram. E sei que tu também não te finalizaste nem ninguém te finalizou. Agora tenho asas; as minhas feridas sararam e a minha pele está limpa de cicatrizes; os meus cabelos são longos e encaracolados; a minha mente sabe muito mais do que sabia e a minha alma já não sofre por coisas inúteis. Só sofre por ti e anseia a tua chegada que estará próxima.
Não avises os deuses, nem os anjos nem nenhum demónio. Quando vieres novamente para mim quero que dês um silencioso grito. Mais ninguém o ouvirá a não ser eu. E aí, eu irei ao teu encontro para que não sofras mais no caminho e para juntarmos novamente as mãos e corrermos numa interminável planície.

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